“Mãe” é a primeira longa-metragem do realizador e argumentista madeirense João Brás. O filme estreou nos cinemas portugueses em 2024 e, em fevereiro, será exibido em duas projeções no Luxemburgo, com apoio do Cineclube Português do jornal BOM DIA.

O filme centra-se na vida de dois irmãos que enfrentam o desafio de cuidar da sua mãe, que sofre de Alzheimer. O BOM DIA conversou com João Brás para descobrir todos os pormenores desta longa-metragem, bem como conhecer a sua perspetiva sobre esta estreia no Luxemburgo.

Qual a reação que espera que as comunidades portuguesas no estrangeiro tenham relativamente ao filme? O que acha que vão sentir ou reconhecer na história?

Eu acho que existem muitas famílias que passam por esta situação. Para quem conhece e tem algum familiar que sofre da doença de Alzheimer isto é um grão de areia, agora quem nunca teve contacto acredito que possa ser um filme impactante. O filme serve também para isto, para refletirmos enquanto sociedade.

Numa entrevista disse que os madeirenses sentiam que a Madeira era “uma ilha sem futuro”. Acha que as comunidades portuguesas no estrangeiro têm uma visão semelhante sobre Portugal? Qual o papel de “Mãe” neste contexto?

O filme vem mostrar um pouco do lado dos jovens, até porque um dos irmãos tem 19 anos, acabou de se mudar para a Ilha da Madeira e consequentemente conhece madeirenses. Sinto que os jovens madeirenses sentem que não conseguem ter futuro na ilha, devido às poucas alternativas. Por exemplo, eu tive que estudar no continente porque na ilha não tinha esta área, nem esta vertente. E é como sempre dizem, por vezes temos que sair da ilha para “ver” a ilha. E agora tenho outra perspetiva. O papel deste filme é mostrar que se para uns a Ilha é parada e sem futuro, para outros, nomeadamente esta família, pode ser uma maneira de recomeçar de uma forma calma, leve e bela.

A estreia de “Mãe” no Luxemburgo é um marco importante. Podemos esperar que o filme chegue também a outras cidades da Europa ou até a outros continentes?

Estou muito feliz por exibir o meu filme no Luxemburgo, isto só nos foi possível graças ao Info-Zenter-Demenz com a colaboração da Embaixada de Portugal no Luxemburgo e Camões – Instituto da Cooperação de Língua Portuguesa. Depois da estreia do filme nos cinemas portugueses, sentimos que era importante levar esta história e esta temática a todos os cantos. Começamos a fazer uma digressão por Portugal, onde tivemos também vários debates e que me proporcionou ouvir várias histórias e os desafios que diversas famílias enfrentam. Agora trabalhamos para tentar chegar a outras cidades da Europa e a outras comunidades portuguesas, para que possamos criar mais debates e mais conversas sobre o Alzheimer.

Afirmou que o filme foi inspirado na sua avó. Há alguma razão para que a relação de parentesco avó-neto não seja diretamente retratada no filme?

O filme foi inspirado na minha avó e na forma como esta doença afetou o meu seio familiar. Tanto eu como o produtor do filme, Diogo Teotónio, sentimos que a produção ganharia mais se fosse retratado do ponto de vista dos dois filhos, Mário e Samuel. Normalmente, não vemos dois homens a cuidar da mãe, aliás, na nossa investigação, percebemos que existem muitas mais mulheres a ter este papel, então achamos interessante inverter os papeis e retratar o homem como o cuidador informal.

Qual a sensação de, com apenas 25 anos, trabalhar com atores tão experientes e ver a sua primeira longa-metragem a rodar em ecrãs internacionais? E qual o impacto que isso está a ter na sua carreira?

É muito bom porque me permite mostrar o meu trabalho e podemos debater sobre este tema que acho muito importante e que deve ser cada vez mais falado. O filme já me permitiu ter oportunidade de realizar outros projetos e dar-me a conhecer ao público através de várias sessões de sensibilização.

“Mãe” teve como produtora a Neblina. Sentiu diferença entre uma produção independente e esta apoiada por uma produtora?

É sempre diferente trabalhar de forma independente ou com uma produtora, acaba por ser logisticamente e financeiramente diferente. E tenho a sorte de estar a construir uma história e um percurso com a Neblina: filmamos o “Mãe”, depois filmamos uma curta “Vale do Fogo” e agora estamos a trabalhar já noutro projeto. Estou muito contente até porque é uma produtora sediada na Madeira, estamos a tentar fazê-la crescer e contar histórias diferentes que o público português ainda não teve a oportunidade de ver representada no grande ecrã.

Vale de Fogo” já arrecadou vários prémios. Espera que chegue aos ecrãs internacionais também? Tem planos nesse sentido?

“Vale do Fogo” retrata uma tradição muito única da minha cidade, e a verdade é que queremos muito trazer este filme e estas tradições tão caraterísticas da Ilha da Madeira aos ecrãs nacionais e internacionais. Estamos a trabalhar para que em 2026 possamos presentear o público com essa oportunidade, por isso, sim, esse plano está em cima da mesa.

DR

Numa entrevista, mencionou que gosta de trabalhar temas sociais, tabus e as questões mais faladas. Há algum tema em particular que ainda não tenha abordado, mas que sente ser urgente explorar no futuro?

Eu acho que os meus filmes tocam o social porque acredito que o cinema tem o poder e serve como motor de mudanças de mentalidades. Gosto imenso de provocar o público de forma a consciencializar a sociedade. Sim, existem vários temas que gostava imenso de retratar, desde a marginalização ao trabalho social.

Que conselhos dá a quem quer começar nesta área? Há algo que gostaria que lhe tivessem dito no início da sua carreira?

Eu acho que nunca devemos desistir dos nossos sonhos e objetivos. O caminho não é fácil porque existem sempre desafios e adversidades, mas se é algo que efetivamente sentimos que queremos seguir, é trabalhar com foco e determinação. Desde muito novo que sempre tive esta paixão por cinema, vivia na Ilha da Madeira e não conhecia ninguém da área, não havia produtoras de cinema. É por isso que eu, enquanto jovem realizador, gosto imenso de incentivar outros jovens que também tenham este objetivo de contar histórias, e gostaria, claro, que me tivessem dito para acreditar em mim, na história e visão que tenho e que quero contar ao mundo.

Que mensagem quer deixar aos portugueses do Luxemburgo?

Gostaria de convidar todos a assistir ao filme porque acredito que é uma longa-metragem que acaba por tocar no coração das pessoas. Existem instituições e associações que ajudam nestes casos porque é uma doença que, se virmos bem, não afeta propriamente o doente, mas sim aqueles que o rodeiam. É um processo muito difícil e tentamos retratá-lo da forma mais crua e sincera possível para que possamos trabalhar para um futuro melhor e um envelhecimento digno e saudável.