“Rabo de Peixe” não é apenas a série portuguesa mais vista de sempre, mas também o tema do novo livro de Helena Ales Pereira. A autora, com vasta experiência em jornalismo e projetos culturais, explora os bastidores da produção que conquistou o público em mais de 190 países. Em 38 deles, a história de quatro amigos que tentam escapar ao seu destino alcançou o top das séries mais vistas, acumulando mais de 45 milhões de horas de visualizações.

Nesta obra que celebra o talento e a criatividade nacional, Helena Ales Pereira revela histórias inéditas, desafios superados e o impacto cultural desta série inovadora, que colocou Portugal no mapa da ficção internacional. O BOM DIA conversou com a autora para descobrir todos os pormenores deste projeto imperdível.

RABO DE PEIXE”, O LIVRO

Como surgiu a ideia de escrever um livro sobre os bastidores da série “Rabo de Peixe”?

Durante as filmagens da primeira temporada, o Augusto Fraga foi percebendo que seria interessante contar o processo de criação que está por trás de uma série de televisão, como se faz um casting, como se compõe um elenco, como se criam cenários, maquilhagem, o que está por trás dos efeitos especiais, da escolha musical, da caracterização especial, etc. Havia aqui um potencial que nunca tinha sido contado. As fotografias que a Inês Subtil foi tirando, ao longo das filmagens, ajudaram a fomentar esta ideia, que começou a ser desenhada em janeiro de 2023, quando o Augusto Fraga me chamou para criar este projeto, editorial e gráfico, que viria a ser trabalhado em conjunto com a Milena Gali, responsável pelo projeto gráfico e paginação.

Qual o maior desafio que enfrentou durante o processo de criação do livro?

O maior foi mesmo conseguir falar com as pessoas que fizeram parte do projeto, desde o elenco à montagem, que foi a última entrevista que fiz. Foi realmente uma aventura, houve pessoas que demoraram meses a acertar calendários, porque não respondiam às mensagens. Entre a primeira e a última entrevista decorreu precisamente um ano. Depois, a seleção de imagens. Eu e a Milena tínhamos mais de 8 mil fotografias para ver, selecionar, editar, trabalhar, foram muitas tentativas, muitos testes. E havia, além das fotos, uma série de material de pesquisa, que também queríamos incluir neste projeto, porque fazem inevitavelmente parte do processo criativo.

Que detalhes ou histórias inéditas sobre os bastidores acredita que irão surpreender os leitores?

Muitas coisas, na minha opinião, porque a forma como esta série foi feita foi inédita para a ficção em Portugal. Por exemplo, a cena da tempestade do barco, nunca se tinha feito uma coisa com as dimensões daquele cenário, por exemplo. Depois, há pormenores da história que as pessoas não sabem se foi improvisado ou não e algumas delas estão explicadas no livro. Por fim, há também uma gíria comum quando se trabalhaem multimédia, televisão, etc, que não fazem parte do léxico comum, é interessante perceber o que elas significam, como espaço diegético, por exemplo.

Quais são as suas expectativas sobre o impacto deste livro no público português e na diáspora?

Eu espero que ajude o público a perceber o potencial que tem a ficção em Portugal, que existem pessoas e equipas incríveis a trabalhar, estas e outras áreas, e que muitas vezes, aquilo que nos limita são os orçamentos. Nós temos excelentes profissionais, excelentes criativos, desde a fotografia, a música, à direção de arte, aos textos, passando pela realização, pelo elenco, e esta série levou-nos para outro patamar, e a equipa soube dar o que era necessário. Não é por caso que a série acabou a bater records de audiência para uma série produzida em Portugal, não só aqui, mas também a nível internacional, e a ser bem recebida até pela crítica internacional.

De que forma acha que ‘Rabo de Peixe’ contribuiu para a promoção da cultura e do talento português no estrangeiro?

Nós temos excelentes profissionais nas mais diversas áreas criativas e esta série veio mostrar aquilo que somos capazes de fazer, quando temos os meios certos. Para quem acha que não faz diferença, que o dinheiro não “cria” talento, vamos supor que eu tenho uma casa para pintar e me dão 500€ para comprar tintas; outro pintor tem a mesma casa para pintar com 1500€. Podemos ser os dois excelentes, mas o resultado nunca será o mesmo.

Inês Subtil

Qual o segredo do sucesso de “Rabo de Peixe” que, na sua opinião, a tornou a série portuguesa mais vista de sempre?

Acho que são vários factores: ela tem um dinamismo, uma ação muito estimulante; o elenco tem uma energia muito própria, muito cúmplice, sobretudo o elenco central (o Condessa, o André, a Helena e o Rodrigo), depois há atores, como o Albano Jerónimo, a Maria João Bastos, o Afonso Pimentel, o João Pedro Vaz, o Rapazote, que reforçam esse trabalho; depois a própria história, não só o facto de ser baseada num facto real, mas o ser muito universal, no fundo, o desejo de escaparmos ao nosso destino, de ir além de tudo isso; depois a própria paisagem da ilha, a comunidade de Rabo de Peixe, que é um local muito específico, com características únicas, inclusive nos próprios Açores.

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL

A sua trajetória inclui jornalismo, edição, produção executiva e relações públicas em projetos culturais. Como é que essas experiências contribuíram para a criação deste livro? Como é fazer a transição de jornalista para autora?

Acho que todas estas experiências me deram, me dão, uma ginástica mental enorme, que me permitem conhecer todas as áreas de um projeto como este. Desde a pesquisa, o desenhar um projeto, as entrevistas, a edição de textos e imagem, a parceria com a Milena, ao longo da paginação, até as próprias linguagens de cada uma das pessoas entrevistadas: é diferente falar com um Albano Jerónimo, que está habituado a dar entrevistas, e falar com um editor, por exemplo, como o Marcos Castiel, que é uma pessoa de bastidores. Depois há a parte da edição, da procura de uma editora, e aí também há uma linguagem específica. E depois há muita curiosidade por muitos assuntos, sobretudo dentro da área criativa/cultural, e aí este projeto respondeu a muitas das minhas questões: como se faz isto, como se faz aquilo numa série de televisão?

Ao longo da sua carreira, houve algum projeto que considere mais especial ou transformador? Qual?

De todas as experiências profissionais, acho que o jornalismo continua a ser a mais transformadora, porque ele me permitiu, desde sempre, ter um olhar mais crítico, mais atento, mais questionador sobre aquilo que me é apresentado. A procura do contraditório, em qualquer área, é fundamental. Todas as histórias têm tantas perspectivas quantas as pessoas envolvidas. Isso ajudou-me a ser mais atenta. Pessoalmente, as experiências de voluntariado, sobretudo as fora do país. São boas oportunidades para mantermos os pés no chão.

IMPACTO CULTURAL

Como vê o papel das séries e do audiovisual na promoção da cultura e identidade portuguesa para públicos internacionais?

Não tenho noção do quadro todo, até porque os meios de comunicação influenciam muito aquilo que nós pensamos que vai lá para fora. Por um lado, temos o cinema de autor, com produtores como Paulo Branco, que vai até Cannes; por outro lado, temos a música, sobretudo dentro da área do fado. Isto é o mais comum. Mas nós não sabemos que séries produzidas em Portugal chegam lá fora, não sabemos que peças de teatro fazem um circuito internacional, a não ser que especificamente procuremos essa informação. O que sabemos é que quando falamos com os diferentes profissionais, e isso aconteceu com Rabo de Peixe, todos eles trabalham para fora do país. A RTP tem feito diversas produções na área da ficção para televisão, além da habitual novela, e muitas estão disponíveis no canal online, mas que séries destas foram distribuídas no mercado internacional? Não sei.

Inês Subtil

Para os portugueses que vivem no estrangeiro, que papel acredita que o livro “Rabo de Peixe” pode desempenhar na reconexão com a cultura e as histórias de Portugal?

Talvez os ajude a perceber que existe aqui um potencial de criação noutras áreas além da música, que é geralmente aquela que chega mais longe e a mais pessoas, e até da literatura, com os nossos autores a representar Portugal em várias feiras internacionais. No caso do livro, não só do próprio objeto que é o livro, que pode ser mais do que a literatura pura, mas também da série. Há boas histórias a acontecer aqui, e há espaço para as contar.

INSPIRAÇÃO E CONSELHOS

O que a inspira diariamente no seu trabalho?

Há sempre muita coisa a acontecer, muitas coisas novas para descobrir. Não gosto de ficar parada no tempo, muito menos no passado.

Para quem deseja seguir uma carreira ligada à cultura e comunicação, que conselho valioso partilha?

Ler, questionar, ter muita curiosidade, saber ouvir, ter pensamento crítico. Não é preciso saber tudo, porque ninguém sabe tudo, mas ter vontade de procurar. E responder a todos os emails e mensagens que nos enviam, sempre!

Que dica preciosa daria para quem deseja transformar uma história em um livro?

Ler, ler, escrever, ler, ler, escrever, mas ler, sempre.

O livro, editado pela Contraponto Editores, já está disponível para compra no site do realizador do filme, Augusto Fraga, e nas livrarias Bertrand, FNAC e Wook. Em data a anunciar, decorrerá um lançamento do livro na ilha de São Miguel, nos Açores.

Texto: Fabiana Bravo