A cineasta portuguesa Margarida Gramaxo estreia-se na realização com a longa-metragem documental “Lindo”, em que observa as transformações na ilha de Príncipe, em S. Tomé e Príncipe, através da narrativa de um homem.

O primeiro filme de Margarida Gramaxo, que era advogada antes de se dedicar ao cinema, pode ser visto no festival Porto/Post/Doc esta sexta-feira, pelas 14h30, no Cinema Batalha, em estreia nacional, na Competição Cinema Falado, dedicado a obras em português.

Gramaxo, que trabalhou em produção – chegando a fundar uma produtora -, em publicidade e noutros cargos para financiar o filme, retrata neste documentário o “difícil equilíbrio entre o Homem e a Natureza”, através de um investimento em preservação ecológica feito em Príncipe nos últimos anos.

Em entrevista à agência Lusa, a realizadora afirma que o processo em torno de “Lindo” foi “longo”, desde 2014, e começou por se prender com o fascínio que tinha pela ilha, a mais pequena das duas de São Tomé e Príncipe, e depois com aperceber-se “que estava a haver um grande investimento estrangeiro” naquele território.

Daí para a frente, trabalhou em produção e noutros trabalhos relacionados com a indústria do cinema e televisão para arranjar financiamento para viajar para o local, o que conseguiu em 2016 pela primeira vez, quando fez as primeiras entrevistas e pesquisa.

Encontrou “uma beleza incrível e um potencial humano muito grande”, no seio de uma comunidade que se defrontava com alterações, e encontrou também Lindo, que viria a tornar-se o protagonista.

“Tivemos logo uma ligação, que se desenvolveu mais na segunda viagem. Continuei a juntar dinheiro para voltar sempre que podia. Voltei no final desse ano, em 2018, em 2020, e duas vezes em 2021. Foi um processo muito longo. A história foi-se moldando durante o tempo. É o meu primeiro filme e acabou por ser um pouco a minha tese. Demorou este tempo todo pelas dificuldades de financiamento”, conta.

A amizade com Lindo acompanha “histórias interessantes de mudança”, a começar pela do protagonista, que “tinha sido caçador de tartarugas” e agora trabalhava na preservação destes animais ameaçados e das praias, num esforço ecológico impulsionado pelo investimento estrangeiro.

“Criou-se legislação e programas que empregavam antigos caçadores para proteger as praias. O momento enquanto caçador de tartarugas pertencia ao passado. O que fui fazer com ele foi revisitar esse passado, para depois discutir as mudanças na ilha no presente”, revela Gramaxo.

Em cima deste lado humano se foi construindo uma narrativa que não era para ter Lindo como figura central, passando por “com quem trabalhou em apicultura ou na reciclagem de resíduos”, mas a sua “solidez” e o facto de “estar sempre lá”, entre a comunidade, fez a diferença.

“Percebi que o Lindo estava num caminho que era irreversível, e uma pessoa muito envolvida e respeitada na comunidade. Também me ajudou como ‘produtor’. Dizia-lhe que procurava isto ou aquilo, e sabia onde ir”, explica.

Este homem, pastor numa igreja e com um percurso que exemplifica as mudanças na ilha, torna-se símbolo da narrativa do filme que aborda uma “economia muito frágil, mais permeável a influências exteriores”, e uma comunidade que engajou com o conhecimento trazido de fora e abraçou o projeto.

“É uma população muito sensibilizada para as questões da Natureza, numa ilha que é Património da Biosfera pela UNESCO em 2012. Neste momento, é um motivo de orgulho para a população. Para continuar a atrair investimento estrangeiro, a população tem noção de que é uma das principais fontes de riqueza”, diz.

Assim acompanhou “todo um processo de educação e consciencialização que envolveu governo, biólogos e investidores estrangeiros”, e que também “gera muitos conflitos”, uma vez que “esta proteção acabou com o sustento de muita gente”.

Esse “conflito interessante” foi o motor do filme, assim como a possibilidade de olhar para Príncipe e ver o mundo, como olhar Lindo e ver a ilha.