Felícia de Assunção, Leonilde Milhões, Raymonde da Silva e Claude Correia são os protagonistas do documentário Les Héritiers de la Bataille de La Lys (Os herdeiros da Batalha de La Lys), de Carlos Pereira, que quer lutar contra o esquecimento da participação lusa na Primeira Grande Guerra.

O filme, que foi apresentado pela primeira vez a 5 de novembro de 2018, durante uma projeção na Universidade Popular de História de Pessac (Unipop Histoire), perto de Bordéus, é o resultado de 12 anos de reportagens em França, onde os portugueses combateram há mais de um século, e em Murça, onde o Soldado Milhões é considerado herói.

No próximo dia 24 de outubro, pelas 11h30, será exibido nas instalações da Sociedade de Geografia de Lisboa, no âmbito da inauguração da exposição “Itinerários da Saudade / Memórias de Família com Futuro – três vagas de migrações portuguesas para França“, coorganizada pelo Observatório dos Lusodescendentes.

“O objetivo é mostrar em França que os portugueses participaram na Primeira Guerra Mundial. Esta relação entre França e Portugal não é conhecida; é algo que foi esquecido e não compreendo bem porquê”, explica Carlos Pereira. “Os próprios portugueses de França necessitam de ter esta informação para partilharem com os amigos franceses”, continua.

Carlos Pereira considera que o filme também é importante para que em Portugal se saiba que todos os anos há estas comemorações em França, de homenagem aos soldados que ali morreram durante a Grande Guerra.

No documentário, Raymonde da Silva, já falecida, conta, por exemplo, que foi autarca de uma aldeia francesa “por ser filha do português” que combateu na Grande Guerra, e conta ainda como foi a Portugal buscar terra natal para o túmulo do pai. “Ela foi à procura da aldeia natal do pai, perto de Lamego. Foi lá buscar um saco de terra, trouxe de volta e cobriu assim o túmulo do pai. Isso é algo que mexeu comigo quando fiz esta entrevista. Aliás, diz mesmo que quando chegou a Portugal quis beijar o chão como o Papa”, descreve o jornalista, que é também é Diretor do semanário franco-português LusoJornal.

O filme também dá voz a Claude Correia, também já falecido, que combateu pela França na Segunda Guerra Mundial, depois de o pai ter estado nas trincheiras da Primeira.

Leonilde Milhões, filha do soldado Milhões, também já falecida, diz que “o pai recusou a metralhadora que queriam dar-lhe quando regressou a Portugal, porque já tinha aguentado aquela ‘menina’ durante demasiado tempo”, e recorda que ele recebia uma pensão de guerra de 15 escudos (0,08€) por mês, apesar do seu estatuto de “herói”. “Ela conta que o pai foi pedir para que o filho não fosse à tropa e perguntaram-lhe se não tinha vergonha, ele que esteve na guerra… Ele respondeu que precisava do filho para trabalhar no campo, porque só ganhava 15 escudos por mês”, explica Carlos Pereira.

O realizador salienta que o Soldado Milhões, tal como a maioria dos Portugueses que participaram na Primeira Guerra Mundial, eram “analfabetos, que foram arrancados dos campos, das terras onde viviam, sem sequer saberem onde era França”, um facto assinalado no filme pelo historiador Nuno Gomes Garcia.

Outra filha de um soldado português que aparece no filme, Felícia de Assunção Pailleux, agora com 97 anos, tem levado a bandeira da Liga dos Combatentes nas últimas quatro décadas durante as cerimónias anuais no Cemitério militar português de Richebourg e no Memorial ao Soldado Português de La Couture, ambos no Norte da França. “Ela diz no filme que quando está lá, o pai está com ela, porque esta
bandeira era a bandeira do pai”, continua Carlos Pereira sobre aquela que, no ano do centenário da Batalha de La Lys, foi condecorada pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa com a Medalha da Defesa Nacional.

Há também a história de João Marques, que há mais de 30 anos se ocupa do Cemitério Militar Português de Richebourg, onde estão localizadas as sepulturas de 1.831 soldados portugueses e que também recebeu, durante as cerimónias do Centenário da Batalha de La Lys, a Medalha da Defesa Nacional.

Instalado em França há quase 40 anos, Carlos Pereira começou a trabalhar em 2005 na participação do Corpo Expedicionário Português (CEP) na Grande Guerra, mas só em 2006 começou a filmar as comemorações anuais da fatídica Batalha de La Lys realizando dezenas de reportagens para os canais de televisão portugueses RTP (para o qual ainda continua a trabalhar) e para a SIC Internacional.

O jornalista passou a infância em Murça, ouvindo as histórias do Soldado Milhões e, embora não tivesse familiares nas trincheiras da Flandres francesa, deixou-se cativar pelo tema, orientado por Afonso Maia, “especialista” da Grande Guerra e neto de um soldado do CEP, a quem o filme é dedicado. “O filme é dedicado à memória de Afonso Maia. Originalmente escrevemos um documentário juntos e como
acabamos por não o fazer – ele morreu há cinco anos – este filme substitui o que tínhamos pensado fazer.

Aos 50 anos, Afonso Maia descobriu que o avô tinha lutado no próprio local onde ele morava”, diz Carlos Pereira sobre o homem a quem o Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, também atribuiu, a título póstumo, a Medalha de Defesa Nacional.

No documentário, há ainda entrevistas com os ex-Ministros da Defesa Nuno Severiano Teixeira, Azeredo Lopes e João Gomes Cravinho, com o jornalista e escritor José Rodrigues dos Santos, com o historiador Georges Viaud, com o Presidente da Liga dos Combatentes, Tenente-General Joaquim Chito Rodrigues,
entre muitas outras personalidades.

O filme acaba com o tema musical “Carte Postale de La Lys” do autor, compositor e intérprete lusodescendente Dan Inger dos Santos.